Estávamos conversando sobre o mesmo fato, observado por nós enquanto caminhávamos até a pequena sala que estávamos naquele momento. Éramos quatro. O senhor Silva, o mais velho entre nós e conhecedor de fatos da nossa infância que, vez por outra tirava de sua cartola mágica para nos presentear. Amigo das três famílias, teria nos conhecido ainda bebês. E estava nesse momento tentando conciliar as nossas opiniões tão diferentes sobre o evento acontecido.
Para cada um de nós três parecia muito claro e incontestável a própria visão. E tínhamos naquele momento três verdades irrefutáveis e concorrentes. Foi quando o senhor Silva, a quem carinhosamente chamávamos de “Tio”, nos interrompeu: -Garotos, lembram que eu falei que tinha algo para mostrar? Está aqui, e tirou de sua maleta um papel riscado com diferentes cores. Parecia mais uma folha de borrão, que servira para testar as cores de alguns lápis-de-cera, pois eram traços desordenados e falhos. –O que vocês veem aqui? Tio nos perguntou. –Parecem rabiscos de criança, concordamos os três. Mas o papel estava bem desgastado. Ficamos sem entender a relevância daquele papel velho com um rabisco feio e sem sentido, até que Duda, ao se aproximar mais um pouco, deixou escorrer um fio de lágrimas pelo seu rosto. Ficamos, eu e Beto, agora ainda mais desentendidos do que estava a acontecer. –Duda, que houve? Mas ele não sabia explicar. Todos olhamos em direção de Tio, buscando uma explicação.
- Você não consegue ouvir o que te diz o desenho, Duda? Perguntou-lhe Tio, e continuou... –Você tinha pouco mais de dois anos quando fez esse desenho, sentado no chão, ao lado do seu pai, dizendo para seu pai: -Coachão (Coração), papai. Naquele dia eu quem fiquei com o desenho e guardei até o dia de hoje, e entregou o papel à Duda. Havia uma pequena frase no verso, seguida da data e da assinatura de seu pai. Dizia: “Coachão do meu dudinha, 19/11/1981, Adelmo Santos”. Nesse instante estávamos os quatro abraçados e chorando como meninos.
Acontece que naquele mesmo ano de 1981, o pai de Duda viria a falecer de um infarto fulminante e o nosso amigo não tinha lembrança alguma do seu pai. Assim que nos acalmamos, Tio nos deu duas das principais lições de nossas vidas. E as compartilho com todos vocês:
A Primeira delas
“O que é um simples rabisco para mim pode ser um pedaço importante da história de alguém”
Nunca saberemos o que é conviver sem essa consciência, essa simples consciência que poderia evitar guerras e destruição. Somos diferentes porque vivemos experiências diferentes e interpretamos diferente as mais variadas informações. Isso torna as nossas opiniões muitas vezes divergentes. Damos mais valor a umas coisas em detrimento de outras e uma outra pessoa pode dar mais valor a detalhes que temos em menor valor e vice-versa.
A segunda lição
“A beleza da vida está nos seus olhos”
Serás tão feliz quanto os teus olhos forem bons.
Um comentário:
Lindo Texto!
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